“Existem lugares que nos curam. Não apenas o corpo, mas também a alma. Caldas da Rainha é um desses raros tesouros.”
Era uma manhã de primavera quando cheguei às Caldas da Rainha pela primeira vez. O sol filtrava-se por entre as árvores do Parque D. Carlos I, enquanto eu caminhava, ainda sonolento, à procura de um café. Não fazia ideia de que estava prestes a começar uma história de amor com uma cidade que guarda séculos de história termal, arte pulsante e uma natureza que nos abraça por todos os lados.
Localizada a poucos passos da costa atlântica, Caldas da Rainha esconde seus encantos numa primeira impressão, revelando-os apenas àqueles que têm a paciência de explorar suas ruas, parques e recantos históricos. Fundada no século XV pela Rainha D. Leonor de Viseu após descobrir as propriedades terapêuticas de suas águas, a cidade evoluiu ao longo dos séculos sem jamais perder sua essência curativa e acolhedora.
Permita-me guiá-lo pelos oito passeios que transformaram minha visita de três dias numa experiência inesquecível, e que certamente farão o mesmo por você. Vamos juntos desvendar os segredos deste lugar onde a história termal, a cultura artística e a natureza se encontram num abraço perfeito.

1. Parque D. Carlos I: Um oásis onde o tempo desacelera
“Este parque tem uma história para contar a cada passo”, explicou-me D. Amélia, uma senhora de cabelos brancos e sorriso caloroso que encontrei sentada num banco junto ao lago. Moradora das Caldas há mais de 70 anos, ela vem ao parque todas as manhãs para “conversar com as árvores centenárias”, como me confessou entre risadas.
O Parque D. Carlos I não é apenas um espaço verde no coração da cidade – é um testemunho vivo da Belle Époque do termalismo europeu. Nascido no final do século XVIII, este jardim romântico evoluiu de antigas vinhas e olivais para se tornar o coração pulsante das Caldas da Rainha. Aqui, o tempo parece fluir em outro ritmo.
Perdi horas explorando seus recantos: o lago artificial onde famílias alugam pequenos barcos a remo; o coreto que ainda recebe concertos aos domingos; os pavilhões históricos que se refletem na água como num espelho mágico. Entre árvores centenárias, encontrei pessoas praticando tai chi pela manhã, casais de todas as idades passeando de mãos dadas, e crianças correndo livremente pelos amplos gramados.
“Sabia que este parque era originalmente um espaço de terapia?”, perguntou-me D. Amélia. “Os pacientes do hospital termal vinham aqui para caminhar como parte do tratamento. A natureza também cura, sabe?” E como ela tinha razão! Mesmo após algumas horas no parque, senti-me revigorado, como se a energia antiga daquele lugar tivesse de alguma forma me alcançado através dos séculos.
No coração do parque encontra-se o lago, uma verdadeira joia onde é possível alugar pequenos barcos e remar tranquilamente, observando a vida ao redor. Fiz isso numa tarde particularmente ensolarada e, confesso, senti-me como um personagem saído de um romance do século XIX, navegando lentamente enquanto contemplava os pavilhões históricos refletidos na água.
“Venha ao coreto no domingo”, insistiu minha nova amiga antes de nos despedirmos. “A banda municipal toca músicas antigas. É como voltar no tempo!” E ela não exagerava. No domingo, sentado num banco próximo ao coreto, fechei os olhos enquanto a música preenchia o ar, e por um momento, senti como se tivesse realmente viajado para outra época.
2. Hospital Termal Rainha D. Leonor: Onde tudo começou
Não se pode compreender verdadeiramente Caldas da Rainha sem conhecer seu coração histórico: o Hospital Termal Rainha D. Leonor. Fundado em 1485 pela própria rainha que dá nome à cidade, este é nada menos que o hospital termal mais antigo do mundo em funcionamento contínuo!
“A história conta que D. Leonor, ao passar por aqui, viu camponeses banhando-se em poças de lama e água quente”, narrou o Sr. João, guia do hospital, enquanto me conduzia pelos corredores históricos. “Curiosa, ela própria experimentou as águas e ficou impressionada com o alívio que sentiu para seus problemas de saúde. Foi então que decidiu construir um hospital para que todos pudessem se beneficiar destas águas milagrosas.”
O edifício impressiona pela combinação harmoniosa entre arquitetura histórica e instalações modernas. Atravessar seus corredores é como folhear um livro de história da medicina termal. Nas paredes, retratos antigos e painéis de azulejos contam a evolução dos tratamentos ao longo dos séculos.
Não resisti à tentação de experimentar um dos tratamentos termais. Optei por um banho de imersão tradicional, seguido de massagem terapêutica. As águas, ligeiramente sulfurosas e com temperatura de aproximadamente 34°C, têm propriedades anti-inflamatórias e relaxantes comprovadas cientificamente.
“Sente a diferença?”, perguntou-me Teresa, a terapeuta, após o tratamento. E como sentia! Músculos que nem sabia estarem tensos relaxaram completamente, e uma sensação de bem-estar profundo tomou conta de mim. “Não é mágica”, ela sorriu ao ver minha expressão de surpresa. “É ciência que conhecemos há séculos.”
Ao lado do hospital, o pequeno Museu do Hospital e das Caldas exibe instrumentos médicos antigos e documentos históricos que revelam como os tratamentos evoluíram ao longo do tempo. Fiquei particularmente fascinado com as prescrições médicas do século XVIII, detalhando rigorosos regimes de banhos e repouso.
3. Rota Bordaliana: Arte pelas ruas da cidade
“Em Caldas, a arte não está trancada em museus. Ela vive nas ruas, nas praças, nas fachadas dos edifícios”, comentou um jovem artista local com quem conversei enquanto fotografava uma enorme rã de cerâmica colorida no centro da cidade.
Esta rã gigante, descobri logo, faz parte da chamada Rota Bordaliana – um fascinante percurso urbano que homenageia Rafael Bordallo Pinheiro, gênio criativo do século XIX que revolucionou a cerâmica portuguesa e deixou uma marca indelével na identidade cultural das Caldas.
Armado com um mapa obtido no posto de turismo, dediquei uma tarde inteira a seguir esta rota a pé. Cada esquina revelava uma nova surpresa: o Zé Povinho (personagem emblemático criado por Bordallo para representar o povo português) com seu gesto de “toma!”; andorinhas coloridas; um Padre Cura sorridente; caracóis gigantes; e as famosas folhas de couve que se tornaram símbolo da cerâmica caldense.
“Cada peça conta uma história, sabe?”, explicou-me Maria do Céu, funcionária da Fábrica de Faianças Bordallo Pinheiro, que tive a sorte de encontrar durante meu passeio. “Bordallo usava sua arte para criticar, para fazer rir, para registrar o cotidiano. Era um observador nato da sociedade portuguesa.”
A fábrica, fundada em 1884, ainda funciona e mantém as técnicas tradicionais de produção cerâmica, combinando-as com abordagens contemporâneas. “Nossos artesãos trabalham com as mesmas ferramentas e técnicas de há 140 anos”, contou Maria orgulhosamente. “Mas também criamos peças novas, mantendo o espírito irreverente de Bordallo.”
Para quem deseja levar uma lembrança autêntica, existem diversas lojas na cidade vendendo peças originais Bordallo Pinheiro. Eu não resisti e adquiri uma pequena andorinha azul – agora pousada em minha estante, testemunha diária desta viagem memorável.
4. Museu José Malhoa e Museu da Cerâmica: Tesouros artísticos
Para os amantes de arte como eu, Caldas da Rainha oferece dois museus excepcionais que merecem tempo e atenção: o Museu José Malhoa e o Museu da Cerâmica.
O Museu José Malhoa, localizado no Parque D. Carlos I, é dedicado a um dos mais importantes pintores naturalistas portugueses. Nascido nas Caldas, Malhoa capturou em suas telas a essência da vida rural portuguesa com uma sensibilidade única.
“Olhe bem para esta obra”, sugeriu Sofia, a guia que me acompanhou na visita. “Vê como ele captura a luz? Como os rostos têm expressão, vida? Malhoa pintava não apenas o que via, mas o que sentia.”
A coleção permanente inclui pinturas magníficas como “Outono” e “O Fado”, além de esculturas e medalhões que documentam a evolução da arte portuguesa entre os séculos XIX e XX. Particularmente fascinante é a sala dedicada à cerâmica, que estabelece um diálogo entre a pintura de Malhoa e as obras de Bordallo Pinheiro.
Já o Museu da Cerâmica, instalado na elegante Quinta do Visconde de Santarém, oferece uma perspectiva abrangente sobre a evolução da cerâmica em Portugal desde o século XVII até a contemporaneidade. É impossível não se encantar com as peças históricas, os navios antropomórficos de Bordallo Pinheiro e a criatividade das obras mais recentes.
“A cerâmica está no DNA das Caldas”, explicou-me Carlos, um ceramista local que também visitava o museu. “Não é apenas arte ou artesanato. É nossa identidade, nosso modo de expressão.”
Durante minha visita, tive a sorte de participar de um pequeno workshop onde pude modelar minha própria peça de cerâmica – uma experiência divertida e inesperadamente meditativa. “A argila tem seu próprio temperamento”, riu-se a instrutora ao ver minha tentativa desajeitada de criar um pequeno vaso. “Ela ensina paciência e humildade.”
5. Mercado diário de fruta e vegetais: O coração pulsante da cidade
Se você quer conhecer a alma verdadeira de uma cidade, visite seu mercado. Em Caldas da Rainha, este conselho é ainda mais verdadeiro, pois aqui encontramos o único mercado diário de frutas e vegetais ao ar livre em Portugal – funcionando no mesmo local desde o século XV!
Logo cedo, dirigi-me à Praça da República, carinhosamente conhecida como “Praça da Fruta” pelos moradores. O espetáculo de cores, aromas e sons que me recebeu foi simplesmente hipnotizante. Bancas organizadas cuidadosamente exibiam frutas e legumes frescos, muitos colhidos naquela mesma manhã nas hortas dos arredores.
“Prove esta pêra, menino!”, chamou-me uma senhora idosa de um dos estandes, seu rosto marcado pelo sol e pelo tempo. “É doce como mel!” E era mesmo. Comprei algumas frutas para o pequeno-almoço e fiquei observando o balé diário de vendedores e compradores, negociando preços, trocando notícias, mantendo viva uma tradição centenária.
“Venho aqui todos os dias há mais de 40 anos”, contou-me o Sr. António, vendedor de legumes cujas mãos ásperas denunciavam décadas de trabalho na terra. “Meu pai vendia aqui, meu avô também. É uma tradição de família.”
O mercado não é apenas um local de comércio, mas um ponto de encontro social, onde moradores trocam novidades enquanto escolhem os ingredientes para o jantar. “As melhores conversas da cidade acontecem aqui”, brincou uma senhora local que me ajudou a escolher tomates perfeitamente maduros.
Às terças-feiras, descobri, a praça ganha uma dimensão extra: além das frutas e legumes, vendedores de artesanato, roupas, flores e produtos regionais juntam-se ao mercado. É quando a cidade realmente pulsa com energia contagiante.
6. Roteiros temáticos: Água e Arte Nova
Dois roteiros temáticos oferecidos pelo posto de turismo local enriqueceram minha compreensão das Caldas: o Roteiro da Água e o Roteiro Arte Nova.
O Roteiro da Água é uma jornada fascinante que nos faz compreender como este elemento foi – e continua sendo – fundamental para o desenvolvimento da cidade. Seguindo-o, visitei não apenas as termas, mas também chafarizes históricos dispersos pela cidade, como o impressionante Chafariz das 5 Bicas, o antigo aqueduto no Parque da Mata, e o sereno Jardim da Água. O percurso estende-se além dos limites urbanos, levando até à majestosa Lagoa de Óbidos e à Praia da Foz do Arelho.
“A água moldou não apenas nossa geografia, mas nossa identidade”, explicou-me Pedro, guia local que encontrei junto ao chafariz da Estrada da Foz. “Nas Caldas, aprendemos desde cedo a respeitar e valorizar este recurso.”
Já o Roteiro Arte Nova revelou-me uma faceta mais sofisticada da cidade. Nas primeiras décadas do século XX, este estilo arquitetônico deixou marcas elegantes nas fachadas, azulejos, trabalhos em ferro forjado e marcenaria ornamental de diversos edifícios das Caldas.
“Repare nos detalhes florais, nas linhas curvas, nos motivos naturais”, orientou-me Maria João, arquiteta local que gentilmente ofereceu-se para me acompanhar numa parte do percurso. “A Arte Nova era mais que um estilo arquitetônico; era uma filosofia que celebrava a natureza e o artesanato num mundo que se industrializava rapidamente.”
O roteiro, que percorre principalmente a Praça da República, a Praça 5 de Outubro e a Rua Dr. Miguel Bombarda, pode ser feito em aproximadamente uma hora, mas eu dediquei uma tarde inteira, parando frequentemente para fotografar detalhes encantadores como uma porta finamente trabalhada ou azulejos com motivos florais delicados.
7. Lagoa de Óbidos e Praia da Foz do Arelho: Onde água doce e salgada se encontram
Depois de alguns dias explorando o centro histórico, decidi seguir para as maravilhas naturais nos arredores. A apenas alguns quilômetros das Caldas encontra-se um dos cenários mais deslumbrantes da costa portuguesa: a Lagoa de Óbidos e a Praia da Foz do Arelho.
A Lagoa de Óbidos é um ecossistema fascinante onde diversas espécies de aves encontram refúgio. Numa manhã tranquila, aluguei uma pequena embarcação e deslizei silenciosamente pelas águas calmas, observando garças, flamingos e outras aves aquáticas. “Se vier ao amanhecer ou ao entardecer, verá um espetáculo de cores no céu refletido na água”, sugeriu-me o homem que alugou o barco. “É quando a lagoa realmente mostra sua magia.”
A pouca distância, a Praia da Foz do Arelho oferece uma experiência única: de um lado, as águas tranquilas da lagoa; do outro, o impetuoso Oceano Atlântico. Esta dualidade cria um ambiente perfeito para diversos tipos de visitantes e atividades: famílias com crianças pequenas preferem a segurança da lagoa, enquanto surfistas desafiam as ondas do mar aberto.
O verdadeiro destaque, porém, são os passadiços das arribas, desenhados pela arquiteta paisagista Nádia Schilling. Caminhando por estas estruturas de madeira que serpenteiam ao longo das falésias, tive acesso a miradouros que oferecem vistas panorâmicas de 360 graus sobre o oceano e a lagoa.
“Vê aquela linha onde a lagoa encontra o mar?”, perguntou-me um fotógrafo local que também admirava a paisagem. “É um lugar de transição, de transformação. Como a vida, não é?” Fiquei ali, contemplando aquele encontro de águas, pensando em quantas metáforas a natureza generosamente nos oferece.
No final do dia, sentado numa esplanada à beira da lagoa, saboreei um arroz de marisco enquanto o sol se punha, pintando o céu e a água com tons dourados e rosados. Foi um desses momentos perfeitos de viagem que ficam gravados na memória.
8. Salir do Porto e Paul de Tornada: Segredos bem guardados
Para meu último dia, reservei dois tesouros menos conhecidos mas igualmente fascinantes: Salir do Porto e o Paul de Tornada.
Salir do Porto, uma pequena praia na margem do rio Tornada, é famosa por abrigar a maior duna de Portugal – uma impressionante formação de 50 metros de altura. “Tem que subir! A vista lá de cima é incrível”, desafiou-me um menino local que descia a duna correndo, deixando um rastro na areia.
Aceitei o desafio e, após uma subida exigente (a areia escorregava sob meus pés a cada passo), fui recompensado com uma vista panorâmica que abrangia quilômetros de costa, o encontro do rio com o mar, e a pacata vila de Salir do Porto espalhada na encosta. A descida, confesso, foi muito mais divertida – voltei a ser criança por alguns minutos, deslizando pela face íngreme da duna.
Já o Paul de Tornada, uma Reserva Natural Local, ofereceu-me uma experiência completamente diferente. Este pântano é um santuário para aves migratórias e espécies aquáticas. Equipado com binóculos emprestados no centro de interpretação ambiental, passei horas nos observatórios discretamente posicionados ao longo de trilhas bem sinalizadas.
“Já viu o guarda-rios?”, sussurrou uma observadora de aves que compartilhava o mirante comigo. “Está ali, naquele galho baixo.” Seguindo sua indicação, finalmente avistei o pequeno pássaro de plumagem azul brilhante, pacientemente à espera de sua próxima refeição. A tranquilidade daquele lugar, o canto das aves, e o suave movimento das águas criaram o epílogo perfeito para minha visita.
Uma despedida com gosto de regresso
Na manhã da partida, voltei ao Parque D. Carlos I para um último passeio. Encontrei novamente D. Amélia, minha primeira guia informal das Caldas, sentada no mesmo banco. “Já vai embora?”, perguntou-me com um sorriso. Quando confirmei, ela acrescentou: “Sabe, as Caldas são como nossas águas termais – deixam uma impressão que permanece muito tempo depois que você vai embora.”
E como ela tinha razão! Semanas após meu regresso, ainda me encontro pensando nos recantos do parque, nos sabores do mercado, nas histórias de cura do hospital termal, nas obras de arte que saltam das paredes para as ruas. Caldas da Rainha não é apenas um destino turístico – é uma experiência multissensorial que transforma o viajante.
Como me disse o Sr. António do mercado: “Quem vem às Caldas uma vez, sempre volta.” Já estou planejando meu retorno, desta vez para passar mais tempo explorando cada um desses lugares especiais com a calma que merecem. Afinal, algumas cidades não se visitam – vivem-se. E Caldas da Rainha, definitivamente, é uma delas.
Se você também quiser descobrir os encantos desta cidade termal, artística e natural, comece sua experiência visitando o posto de turismo local para informações atualizadas sobre os roteiros e atividades disponíveis. E lembre-se: reserve tempo suficiente para simplesmente vaguear sem rumo – às vezes, são nesses momentos não planejados que as descobertas mais preciosas acontecem.
